Enquanto almoçava com um amigo e ele me contava como eram as
paisagens de Angola, de como o racismo era a realidade presente “nas casas, nas
ruas, nas pontes…”, dizia-me ele também que acha que vai morrer sozinho porque
nunca ninguém o irá aturar à mesa. Demora talvez hora e meia num simples prato
de filetes com arroz, mas continuo a achar-me um caso mais grave por demorar
uma vida a saber entender-me.
Voltei a chorar de saudades do amor da minha vida que mandei
pela janela. Faz isto sentido? Não faz. Tenho um grande amigo, o Y, que
costuma dizer que nós os dois juntos na cama a beber whisky daríamos um quadro,
uma música, um poema e até uma escultura. É interessante o nível de sinceridade
que atingimos juntos, não sei se pela facilidade com que nos rimos do facto de
jamais virmos um dia a ser um casal, se pela beleza da nossa relação assentar
nessa amizade com atracção e sem ciúme que agora, já mais crescidos do que no
primeiro beijo, descobrimos que existe e que é sublime, de facto. Sinto-me
calma depois de ter sexo com ele, parece que a nossa química significa estarmos
sempre prometidos a alguém, e hipocrisias à parte, toda gente no mundo gosta
desse feeling.
Voltei a dormir com o X e odeio-me por isso. Odeio-me
por me ter apaixonado e não saber recusar pôr-me de joelhos à frente dele
porque gosto de facto dele, dos seus olhos verdes e da sua voz marcada pela
tequilla… gosto daquele quarto. Meu deus, como gosto do calor daquele quarto. Traçou-me
a capa e disse-me que me queria feliz e não subordinada como sou com ele, que não
me pode ver de longe que já me quer perto. Mas nenhuma dessas palavras me fez
apagar a raiva que senti quando me vesti e acalmei a agitação do álcool no meu
sangue. Não o quero ver mais, perfeição do demónio que me leva para a cama a seu
belo prazer e mais grave, sabe disso… nem
quis acreditar que tinha voltado a cair na esparrela. Ou melhor, não quis
acreditar que ele achasse que quem canta o cântico das sereias sou eu. Pediu-me
que prometesse que aquela era a ultima
vez que estávamos juntos, pelo menos nus. Gritei com ele, bati-lhe e só não chorei
por vergonha. Eu sinto-me enfeitiçada pelo seu discurso inteligente mas sou
solteira, durmo com quem eu quero e lidar com as consequências morais disso só
no âmbito do meu interior, não tenho ninguém em casa à minha espera a quem vou
ter de mentir. Ele tem e por isso, que se amanhe e mais importante, que se
afaste de mim pelo amor de deus.
Voltei a entrar em apatia. Verifiquei se seria sintoma
pré-mestrual e ainda bem que o fiz, porque o era realmente. Fechei os olhos,
acendi um cigarro enquanto desejava que fosse uma ganza e caí em mim por
momentos. Breves instantes em que me deparei comigo mesma, aquela pessoa que a
minha querida Inês me fala que vai ser a única que vai estar lá no fim de tudo.
Eu sou isso, a mulher que se deita com um homem das ciências por adorar que
nunca ponha fim aos seus argumentos humanísticos e que por isso, e por ele ser
extremamente bonito também, afirma convictamente que se apaixonou e por isso não
lhe pode dizer que não, só mais desta vez… também sou a mulher sensata que tem
um amigo com quem dorme depois de ouvir a chorar a mágoa do seu relacionamento
fracassado. Sou também a mulher que não gosta de homens, por gostar de todos. Cada
um em sua valência, cada um na sua esfera e no raio que o seu âmbito lhe
permite. Gosto do meu amigo que viveu em Angola até ao ano passado por me
encaminhar numa conversa deliciosa. Gosto do L porque a textura da pele da parte
de trás das orelhas dele é a coisa mais incrível que já senti com os meus dedos.
É delicada e ensinou-me uma forma de
amor muito bonita, que acho que nunca vou saber alimentar, mas em todo caso…
ela está aí. Gosto do Ç, que gosta de mim. Muito de facto, mesmo muito.
Gosto de beber vinho e comer amêndoas com ele, de ouvir os seus preceitos de
ensinamento chinês. Engraçado como dormimos juntos e bêbedos várias vezes na
mesma cama e em como não houve sexo, nem necessidade disso parece-me. Gosto do G que é um puto com quem gosto de dar umas voltas porque a volta dele é
realmente interessante, desafiadora; é aliciante ensiná-lo, explicar-lhe que se
voltar a contar aos amigos que quase me fodeu, vai ter problemas sérios porque
comigo as coisas não funcionam assim… no entanto, gostava que ele estivesse ali
no sofá ao lado deste onde me sento, ia rir com certeza e teria a sua piada,
como de costume.
De ti, gosto sem saber porquê. Aliás, todos os porquês me
dizem para esquecer isso, que não vale a pena, que o que foi foi e não volta
mais. Mas o teu cheiro persegue-me para onde quer que vá, e se o ignorar, o que
ele faz é subir do meu nariz até ao meu cérebro, já que às explosões que faz
acontecer no meu coração eu não ligo. Tenho saudades tuas, do nosso
entendimento quase celestial. Apesar de nada na minha vida querer que tu
estejas lá para ver, continuo a amar-te meu querido. Acho que o mais engraçado
é mesmo saber que és do género de homens que não suporta mulheres como eu, as
que dormem com o homem das ciências e ameaçam o puto para que ele não conte aos
amigos. Eu sei que me amas também, amar-nos-emos para sempre e disso, também
sei que sabes, assim como sabes esse género de mulher que sou. Perdoa-me mas
não ignores que te perdoo todos os dias também, por tantas outras coisas que se
assemelham e não à crueldade que cometi contigo. Tu és mesmo daquelas doenças que não têm
cura, e eu realmente já não sei o que fazer com o que sinto por ti. Por todos
aqueles sei como me sinto, o que me fazem, porque acontece. Contigo… só quero
que volte atrás e que naquela passagem de ano, eu cheirasse também uma linha de
MD contigo. Compreender-te-ia, aglutinar-nos-íamos e mais que um texto, uma
música ou um quadro, faríamos uma história feliz ao nosso jeito, que é nosso e
de mais ninguém.