segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

"Você está triste?
Não sei. Talvez.
Tristeza dá câncer, sabia?
Pensei que dava verruga no nariz.
Estou falando sério.
Ultimamente você vive falando sério.
Quando eu brincava você reclamava.
Nem tanto ao mar nem tanto à terra.
Você colocou vírgula depois de mar.
Estou falando, não estou escrevendo.
Mas na sua fala tinha uma vírgula depois de mar?
Não. Você está fazendo uma análise sintática e morfológica da frase?
Na frase há o uso da figura de sintaxe chamada elipse.
Chega. É por coisas assim que eu não quero mais viver com você.
Porque eu sei gramática e você não?
Entre outras coisas.
Não gosta mais de foder comigo?
Usarei uma elipse aqui. Ou melhor, uma zeugma.
Zeugma é um substantivo masculino.
Um zeugma, então.
Significando?
Que é fácil subentender.
Subentender por que você não gosta mais de foder comigo?
Precisamente. Pensa.
Estou pensando e não consigo.
Pensa em nós dois na cama.
Você sempre se manifesta pomposamente na hora do orgasmo.
Pomposamente? Explica.

Exibição de magnificência sensual. Mímica.
Mímica
Mímica. Muito bem-feita.
Vou fazer as malas. Diga: já vai tarde.
Já vai tarde.
E esses olhos úmidos de lágrimas?
Mímica.
Acho que vou ficar mais um pouco.
Um pouco?
Uns dias.
Dias?
Pensando bem, uns meses. Mas você me ensina gramática durante esse tempo.
Então deixa de ficar triste.
Tenho uma razão. Já estou com câncer.
Jura?
Juro. Pulmão. O cigarro.
Meu amor, vou cuidar de você.
Mas antes me ensina gramática."

Texto extraído de "Axilas e outras histórias indecorosas", de Rubem Fonseca, Editora Nova Fronteira - 2011




já não me revia tanto e tão espontaneamente em qualquer coisa escrita num livro há algum tempo.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Estou viciada em estar acordada. Estou viciada em travar o meu raciocínio, para não me doer a falta de uma conclusão ou pior, para não concluir na pressa de clareza mental. Quero pensar outra vez.

sábado, 1 de fevereiro de 2014

mas qual destas é a tua cintura?

"encontro o teu rasto e há alguem que está a mais...
há sempre uma forma de encontrar um lugar privado, no meio da multidão.
quem vem para olhar-te, vê-nos a dançar e aguarda por levar consigo algo para lembrar;
mas sem contar que há sempre uma forma de encontrar um lugar privado no meio da multidão."

Jorge Cruz, "Lugar Privado" em Barra 90

Mimos*