"Parabéns, apanharam-me.
Ok, eu juro que não estava à espera que fosse tudo smog, fumo, stress, fast food.
Pressa é costume. Prédios, semáforos, passadeiras. “Boa viagem. O título é válido”. Olhar metálico.
De volta aos papéis, com algarismos, apelidos, cálculos, endereços, tabelas, preços, scripts e gráficos. Configurar parâmetros. Tipificar registos. Tomar decisões, numa de: isto é ou não é procedimento.
Clientes estúpidos. “Odeias? Não és o único. Paciência. Cubo de Rubik. Tu não te esqueças: o teu cubículo não é o teu estúdio. Tu aqui és só mais um, pára de te armar em músico. Volta para CPU’s e passwords. Resultados, hoje. Sim senhores. Dá-me nomes. Refila pouco. Tu nem sais. Tu és do tipo televendas, fumo, insónias, hipertensão, falta de atenção e má memória. Queres a glória? Ela é para membros produtivos. O ponto alto do teu dia? Eu digo: estás despedido.”
Nerve, "Trabalho" in A vida não presta
terça-feira, 29 de setembro de 2015
sábado, 24 de janeiro de 2015
Imaginava que quando me deixasse ficar no colo de alguém de
forma mais ou menos reiterada fosse por me sentir estonteantemente desejada. Não
é por isso que continuo no colo dele; sabe bem deitar-me naquele braço. Apenas.
Sabe só bem; não exige grande coisa nem chateia metade disso. Não é um entrave
a nada que queira seguir e nesse sentido, vou ficando por ali.
É humilhante admitir que sempre soube que ele não gostava de
mim. Forjei uma situação para usufruir dos benefícios da circunstância
verdadeira: quando nos sentimos amados a vida parece ter menos merda atulhada. A
nossa cabeça parece mais sã. O nosso corpo soa mais atraente.
Mas eu não sou amada assim; ele não me ama. Eu talvez não o
ame mas agora ainda creio com força que sim. Enrolei-me nisto tudo à espera de
qualquer coisa, alguma coisa que me devolvesse a vontade de sair da cama e me
desse um motivo para me deitar nela de mente tranquila. É tudo falso mas não
descobri isso hoje. Sempre soube. Mas é incrível como escondemos de nós
próprios uma verdade tão crua. Como é que consegui esconder isto de mim. Ele não
é tímido. Ele não me diz que me ama porque, brace yourselves, não me ama
realmente. Ele não fala sobre o que gosta em mim porque, guess what, ele gosta
apenas que eu seja uma mulher. Que tenha fisionomia de mulher, que me comporte
como uma mulher e ainda como bônus, que não seja tão chata como uma mulher. Mas
não sou assim tão diferente; alimento-me de amor e carinho, dispenso os elogios
diários mas, confesso, não sou capaz de viver sem demonstrações de afecto, nem
que seja com olhos. Incrível como até essas eu fui capaz de inventar. Inventei
que ele me olhava com ternura, que rídicula que sou. Olha-me como quem agradece
ter-lhe dado atenção; agarra-me como que nem acredita que alguma mulher no mundo
o viu no meio desse mar de seres que por aí se exibem porque ele, ele não salta
à vista. Achei que gostava disso nele mas afinal, o facto de ser um homem
discreto apenas facilitava a minha mentira – ficar com alguém que tem
auto-estima mais em baixo que nós é o acto mais cobarde da história. Afinal de
contas, aquele não vai embora porque sabe que não tem para onde ir. Sou rídicula
e devia abrir os olhos.
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