domingo, 3 de junho de 2012


Agora a estudar lembro, logicamente, das aulas a que não fui. Lembro-me é da falta que elas me estão a fazer, mas também sei porque é que não fui e nem me arrependo assim tanto; não se surpreendam com a facilidade em seguir sem olhar para trás, chega a roçar no sem-escrúpulos… Bom, em todo caso, vem-me à cabeça particularmente as aulas de Introdução, este semestre optei por umas aulas do professor que me fez a prova oral - numa faculdade onde essas coisas contam ganha quem fizer melhor o jogo e nem custa nada engrossar a tendência porque de facto, aquele professor é uma força da natureza. Tem no máximo 28 anos e veste-se de uma forma classicamente interessante - e o termo “classicamente” acompanho-o de conotação muito acentuada- mas para além do charming  exterior, há algo de mágico no seu discurso. Tomei isso como prepotência até dobrar a opinião e sentar-me numa sala pequena, quase à sua frente numa aula qualquer. Digo qualquer porque não fazia ideia do ponto em que estava na matéria, e dizendo a verdade, nem sabia qual era a matéria.
Toda esta descrição apenas para chegar aqui: disse então o professor, mais ou menos nestas palavras… “como é que nunca pararam para observar a melhor particularidade desta influência que o jurídico provoca nas nossas vidas? Não há pergunta que para vós não seja respondida começando “por um lado…” e termina inevitavelmente com “mas pelo outro”.”
Não falamos aqui de retórica, de pôr no discurso uma forma que seja benéfica à nossa posição ou ideia que defendemos. Isto é, não se trata de dizer primeiro a parte má deixando o que achamos correcto para o fim para que caia num tom melhor. Ou vice-versa. Não é isso. Quando alguém nos conta uma história, quando qualquer coisa acontece diante dos nossos olhos ou nos é perguntada uma opinião/decisão, nós os juristas –permitam-me-  temos uma inevitável visão com três compartimentos estanques: de um lado, uma parte da história/facto, do outro, a outra parte do facto ou da história. No meio situa-se o tanque da verdade e ambas as partes, hão-de constar dele, em tópicos ou pontos que pareçam ser dignos dele. Não pensem isto tudo como uma complexidade provocada por quem explora um género de linguagem muito exigente, isto é, diversificado mas sensível.
Há uns tempos, entrei numa loja de velharias muito estranha mas com uns livros deliciosos. A Sara ficou em êxtase e quis mesmo levar um e o senhor, presumo o dono, ofereceu-lho e deu um bom discurso de 20 minutos, em tom muito apressado que eu diria quase louco. Mas disse coisas interessantes, como o facto de em tempos ter escrito muito bem. Chegou a publicar uns livros (que andavam por lá perdidos entre as dezenas de pilhas até ao tecto, mas que ele fez questão de ir buscar) mas que depois se burocratizou demais. Formou-se em Direito e no tempo dele, “oh menina as coisas tinham o seu valor”; trabalhou muitos anos ligado a grandes advogados. Dizia que a sua comunicação estava acorrentada pela linguagem em que permaneceu durante largo tempo e eu percebo-lhe a angústia.  

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Mimos*